A conhecida Substituição Tributária “para frente” – em que o contribuinte tributa sobre uma ficção jurídica – é autorizada pela Constituição da República no artigo 150, § 7°, prevista na Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) e referendada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal-STF.
Os Estados têm autorização para cobrar o ICMS antecipadamente ao perfazimento do fato jurídico tributário (circulação de mercadorias). Há, contudo, ressalva no texto constitucional nos casos em que o fato gerador presumido não se realize – hipótese que se justifica a restituição da quantia paga (art. 150, § 7º).
Muito embora sempre existiu fundamento jurídico para referida restituição, somente após longa jornada perante o Judiciário, os contribuintes obtiveram no ano de 2016, decisão vinculante do STF reconhecendo o direito à “restituição da diferença do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida” – (RE n. 593.849/RS – Relator Ministro Edson Fachin).
Diante desta importante decisão, os Estados, prevendo a queda nas suas arrecadações de ICMS/ST, por bel-prazer e sem aparente fundamento jurídico, decidiram estender a decisão da Suprema Corte, editando normas prevendo a complementação do ICMS/ST nas hipóteses em que o valor presumido (por meio do MVA indicado pelo Estado) é menor do que o preço final efetivamente praticado na cadeia econômica.
Apesar da lógica a priori, não há justificativa para interpretação da Fazenda de meramente espelhar o tratamento de forma recíproca. A tese fazendária pela aplicação do princípio da isonomia entre Estado e contribuinte não se sustenta. Isto, porque não existe isonomia entre Estado e contribuinte, haja vista a hipossuficiência deste último em relação ao primeiro.
De mais a mais, a previsão constitucional (da substituição tributária) está justamente nas cláusulas pétreas dos contribuintes, na seção da Constituição da República intitulada “das limitações do poder de tributar”, em norma concebida pelo constituinte a título de exceção.
São vários os argumentos jurídico-tributários de cunho constitucional que demonstram o desacerto dos Estados nesta cobrança do complemento do ICMS-ST. O maior deles, é a ausência de autorização constitucional para cobrança do tributo ante a ausência de lei complementar (a exemplo da Lei Kandir) instituindo este “complemento”.
O Sistema Tributário Nacional está previsto em bases rígidas, no que há determinação cogente quanto a imprescindibilidade de Lei Complementar Nacional para dispor sobre a definição de tributos e de suas espécies, fatos geradores e bases de cálculo – Art. 146, III, “a”, da CRFB.
Para o tributo em questão, “complementação do ICMS/ST”, a referida norma simplesmente não existe. Afinal, a Lei Kandir – lei complementar – que dispõe sobre o ICMS não prevê tal cobrança pelos Entes federados.
Não se trata de situação de “vento que venta lá, venta cá”. A formalidade intrínseca da exação da Autoridade Fiscal é uma, e a permissão dada ao contribuinte no RE n. 593.849/RS é outra. Sequer se analisou a situação concreta de complementação do ICMS/ST em operação com valor superior ao presumido, de modo que a extensão do referido julgado é pretensiosa e descabida.
Carece de fundamentação jurídica o intento estadual de cobrança de complementação do ICMS/ST, pois conforme demonstrado: (i) viola o artigo 150, § 7º, da Constituição da República; (ii) não observa a imprescindibilidade de lei complementar e, (iii) tem suposto fundamento na equivocada e irrestrita interpretação do julgamento do STF no RE n. 593.849/RS, que não previu em momento algum a cobrança pelo fisco, mas tão somente o direito à restituição aos contribuintes.
Insta mencionar que a substituição tributária “para frente” tem base em parâmetros indicados pela autoridade fazendária. Os contribuintes, substituto e substituído, tão somente conduzem as suas operações diante do valor mercadológico da operação. A operação que se distancia economicamente do valor presumido indicado pelo Fisco ocorre porque o mercado assim permitiu, de modo que a imprecisão da presunção na origem não deve implicar em nova modalidade de cobrança.
Quer dizer, a sistemática do ICMS/ST em muito facilita a atividade fiscal e se trata de tratamento específico e paralelo à cobrança “tradicional” do ICMS. Sendo essa modalidade impositiva e tendo a pauta sido estabelecida pelo Fisco, eventual discrepância do peço praticado e do presumido não deve implicar em ônus ao contribuinte, sob risco de ferir o princípio da razoabilidade.
Aliás, o que se observa na conduta fazendária é uma medida simplória e pautada exclusivamente na praticidade. Praticidade é mero atributo do princípio da legalidade e não pode se sobrepor aos demais princípios, em particular, o da razoabilidade, sob pena de subverter a ordem do nosso sistema jurídico.
Neste cenário de insegurança jurídica provocado pelos Estados, os contribuintes sujeitos à substituição tributária do ICMS e passivos de complementação dependem de tutela judiciária efetiva. Faz-se oportuno acionar o judiciário para assegurar que não há cobrança de tributo sem autorização constitucional e, ainda, que o tema – possibilidade de cobrança de complementação de ICMS/ST – não foi contemplado pelo RE n. 593.849/RS em 2016.
Em coautoria por:
Julio Lindner Barbieri – OAB/SC 36.736 e
Juliano Lourenço – OAB/SC 48.023.